Related Posts with Thumbnails

4 de março de 2011

Adriana Zarrie os cristãos leigos resistentes ao poder do Vaticano

Tinha um carinho especial pelos teólogos da libertação

A Igreja Católica italiana apresenta, em sua história, uma contradição fecunda. Por um lado, há a presença forte do Vaticano, representando a Igreja oficial com sua massa de fiéis, mantida sob vigilante controle social pelas doutrinas e, especialmente, pela moral familiar e sexual. Por outro, há a presença de cristãos leigos e leigas não alinhados, resistentes ao poder monárquico e implacável da burocracia da cúria romana, mas abertos ao Evangelho e aos valores cristãos, sem romper com o papado, embora críticos de suas práticas e do apoio que dá a regimes conservadores e até autoritários.

Assim, temos a figura de Antonio Rosmini no século XIX, filósofo e crítico do antimodernismo dos papas. Modernamente, identificamos figuras como Mazzolari, Raniero La Valle, Arturo Paoli e a eremita Maria Campello. Entre todos destaca-se Adriana Zarri, eremita, teóloga, poetisa e escritora. Além de livros, escrevia semanalmente no diário "Il Manifesto" e quinzenalmente na revista de cultura "Rocca".

Era duríssima contra o atual curso da Igreja sob os papas Wojtyla e Ratzinger, a quem acusava diretamente de trair os intentos de reforma provados pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) e de voltar a um modelo medieval de exercício de poder e de presença da Igreja na sociedade. Ela faleceu em 18 de novembro de 2010, com mais de 90 anos.

Visitei-a por algumas vezes em seu eremitério perto de Strambino, no norte da Itália. Vivia só num enorme e vetusto casarão, cheio de rosas, com sua gata de estimação, Arcibalda. Tinha uma capela com o Santíssimo onde se recolhia várias horas por dia em oração e meditação.

Queria saber tudo das comunidades eclesiais de base, do engajamento da Igreja na causa dos pobres, dos negros e dos indígenas. Tinha um carinho especial pelos teólogos da libertação por causa da perseguição que sofriam do Vaticano, que os tratava, segundo ela, "a bastonadas", enquanto usava luvas com os seguidores do cismático monsenhor Lefebvre.

Seu último artigo, publicado três dias antes de sua morte, dedicou-o à gatinha Arcibalda. Com ela, pude testemunhar, possuía uma relação afetuosa de amigos íntimos. Aquilo que a psicanalista Nise da Silveira descreveu em seu livro "Gatos", o confirmou Zarri: "o gato tem a capacidade de captar o nosso estado de alma; se me vê chorando, logo vem lamber minhas lágrimas". Contam que a gata esteve junto dela enquanto expirava. Ao ver os amigos chegarem para o velório, se enrolava, nervosa, na cortina da sala. Alguém pegou-a no colo e a aproximou do rosto da defunta. Fixou-a longamente e parecia que lacrimejava. Depois, colocou-se debaixo do féretro e aí permaneceu em absoluta quietude.

Adriana Zarri deixou uma epígrafe que vale a pena ser reproduzida: "Não me vistam de preto: é triste e fúnebre. Nem me vistam de branco, porque é soberbo e retórico. Vistam-me de flores amarelas e vermelhas e com asas de passarinho. E Tu, Senhor, olhe minhas mãos. Talvez tenham colocado um rosário, talvez, uma cruz. Mas se enganaram. Nas mãos tenho folhas verdes e, sobre a cruz, a tua ressurreição. E, sobre minha tumba, não coloquem mármore frio com as costumeiras mentiras para consolar os vivos. Deixem que a terra escreva, na primavera, uma epígrafe de ervas. Ali se dirá que vivi e que espero. Então, Senhor, Tu escreverás o teu nome e o meu, unidos como duas pétalas de papoulas".

À mística dos olhos abertos Adriana Zarri nos mostrou como viver e morrer bela e docemente.

Escrito por: Leonardo Boff


0 comentários: