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4 de fevereiro de 2011

O sentido verdadeiro da citação "é dando que se recebe"

É torpe a manipulação da oração de são Francisco

Estamos em tempos de montagem de governos. Há disputas por cargos e funções por parte de partidos e políticos. Ocorrem negociações carregadas de interesses e de vaidades. Nesse contexto, se ouve citar um tópico da oração de são Francisco pela paz, "é dando que se recebe", para justificar a troca de favores, apoios e dinheiro. Trata-se de uma manipulação torpe do espírito generoso e desinteressado de são Francisco.

Mas, vejamos seu sentido verdadeiro. Há duas economias: a dos bens materiais e a dos bens espirituais. Elas seguem lógicas diferentes. Na primeira, quanto mais você dá bens, menos você tem. Se alguém dá sem prudência e esbanja perdulariamente, acaba na pobreza.

Na economia dos bens espirituais, ao contrário, quanto mais dá, mais recebe, quanto mais entrega, mais tem. Quanto mais dá amor, mais ganha como pessoa e mais sobe no conceito dos outros. Os bens espirituais são como o amor: ao se dividirem, se multiplicam. Ou como o fogo: ao se espalharem, aumentam.

Compreenderemos esse paradoxo se atentarmos para a estrutura do ser humano. Ele é um ser de relações ilimitadas. Quanto mais se relaciona, vale dizer, sai de si em direção ao outro, ao diferente, à natureza e até a Deus, quanto mais dá acolhida e amor, mais enriquece, mais se orna de valores, mais cresce e irradia como pessoa.
Portanto, é "dando que se recebe". Muitas vezes se re

cebe muito mais do que se dá. Não é essa a experiência atestada por muitos que dão tempo, dedicação e bens na ajuda aos flagelados da hecatombe socioambiental ocorrida nas cidades serranas do Rio, quando centenas morreram e milhares ficaram desabrigados? Este "dar" desinteressado produz um efeito espiritual espantoso, que é sentir-se mais humanizado e enriquecido.

Quando alguém de posses dá de seus bens materiais, dentro da lógica da economia dos bens espirituais, para apoiar os que tudo perderam e ajudá-los a refazer a vida, experimenta a satisfação interior de estar junto de quem precisa e pode testemunhar o que são Paulo dizia: "maior felicidade é dar que receber"(At 20,35). Esse que não é pobre se sente espiritualmente rico.

Vigora, portanto, uma troca entre o dar e o receber, uma verdadeira reciprocidade. Ela representa, num sentido maior, a própria lógica do universo como enfatizam biólogos e astrofísicos.

Tudo, de galáxias a partículas elementares, se estrutura numa rede de relações de todos com todos. Todos se ajudam mutuamente, dão e recebem reciprocamente o que precisam para existir e evoluir.


O drama é que não aprendemos nada da natureza. Tiramos tudo da Terra e não lhe devolvemos nada - nem tempo para descansar e se regenerar. Só recebemos. Essa falta de reciprocidade levou a Terra ao desequilíbrio atual.

Urge incorporar a economia dos bens espirituais à economia dos bens materiais. Só assim restabeleceremos a reciprocidade do dar e do receber. Haveria menos opulência nas mãos de poucos e os muitos pobres sairiam da carência. Tem mais sentido partilhar do que acumular, reforçar o bem viver de todos do que buscar avaramente o bem particular. Que levamos da Terra? Apenas bens do capital espiritual. O capital material fica para trás.

O importante mesmo é dar, dar e, mais uma vez, dar. Só assim se recebe. E se comprova a verdade franciscana segundo a qual "é dando que se recebe" ininterruptamente amor, reconhecimento e perdão. Fora isso, tudo é negócio e feira de vaidades.

escrito por: Leonardo Boff

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