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21 de janeiro de 2011

Tragédia da região serrana cobra o preço de não escutar a natureza

A causa principal deriva do modo como a tratamos

O cataclismo ambiental, social e humano que se abateu sobre as cidades serranas do Rio na segunda semana de janeiro tem como causa mais imediata as chuvas torrenciais e a configuração geofísica das montanhas. Culpam-se as pessoas que ocuparam áreas de risco, incriminam-se políticos que distribuíram terrenos perigosos aos pobres, critica-se o poder público leniente que não fez obras de prevenção. Nisso tudo há muita verdade. Mas nisso não reside a causa principal dessa tragédia.

A causa principal deriva do modo como tratamos a natureza. Ela é generosa, pois nos oferece tudo o que precisamos. Mas nós, em contrapartida, a consideramos um objeto, entregue ao nosso bel-prazer, sem nenhuma responsabilidade pela sua preservação; nem lhe damos qualquer retribuição. Ao contrário, tratamo-la com violência, depredamo-la, arrancando tudo o que podemos dela para nosso benefício. E ainda a transformamos numa imensa lixeira.

Pior ainda: não conhecemos sua natureza e sua história. Somos ignorantes da história que se realizou no percurso de milhares e milhares de anos. Não nos preocupamos em conhecer sua flora e fauna, as montanhas, os rios, as paisagens, as pessoas que aí viveram, artistas, poetas, governantes, sábios e construtores.

Somos, em grande parte, ainda devedores do espírito científico moderno, que identifica a realidade com seus aspectos meramente materiais e mecanicistas, sem incluir nela a vida, a consciência e a comunhão com as coisas que os artistas evocam em suas magníficas obras.

O universo e a natureza possuem história. Ela está sendo contada pelas estrelas, pela Terra, pelo afloramento e elevação das montanhas, pelos animais, pelas florestas e pelos rios. Nossa tarefa é saber escutar e interpretar as mensagens que eles nos mandam.

Os povos originários sabiam captar cada movimento das nuvens, o sentido dos ventos e sabiam quando vinham ou não trombas d’água. Chico Mendes, com quem participei de longas penetrações na floresta amazônica do Acre, sabia interpretar cada ruído da selva, ler sinais da passagem de onças nas folhas do chão e, com o ouvido colado ao chão, sabia a direção em que iam perigosos porcos selvagens. Nós desaprendemos tudo isso. Com o recurso das ciências lemos a história inscrita nas camadas de cada ser. Mas esse conhecimento não entrou nos currículos escolares nem se transformou em cultura geral. Antes, virou técnica para dominar a natureza e acumular.

No caso das cidades serranas: é natural que haja chuvas torrenciais no verão. Sempre podem ocorrer desmoronamentos de encostas. Sabemos que já se instalou o aquecimento global, que torna os eventos extremos mais frequentes e densos. Conhecemos os vales profundos e os riachos que correm neles. Mas não escutamos a mensagem que eles nos enviam: não construir casas nas encostas; não morar perto dos rios; preservar zelosamente a mata ciliar. O rio possui dois leitos: um normal, menor, pelo qual fluem as águas correntes, e outro maior, que dá vazão às grandes águas das chuvas torrenciais. Nesta parte não se pode construir e morar.

Estamos pagando alto preço pelo nosso descaso e pela dizimação da Mata Atlântica que equilibrava o regime das chuvas. O que se impõe agora é escutar a natureza e fazer obras preventivas que respeitem o modo de ser de cada encosta, de cada vale e de cada rio.

Só controlaremos a natureza à medida que lhe obedecermos, e soubermos escutar suas mensagens e ler seus sinais. Caso contrário, teremos que contar com tragédias fatais evitáveis.


Escrito por:Leonardo Boff

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