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19 de novembro de 2010

O carisma da cabeça de Lula e o carisma das mãos de Dilma

O Brasil conheceu ultimamente duas rupturas: elegeu um operário presidente e, em seguida, uma mulher. Isso não é sem significação. Depois de 503 anos sem alternância no poder, tempo em que as elites dominaram, criaram-se as condições para romper essa continuidade. Um filho da pobreza, Lula, modificou o cenário político brasileiro.

Agora, o sucede uma mulher, Dilma Rousseff. Para os que vêm da cultura patriarcal e androcêntrica ainda dominante na sociedade, e não se deram conta da revolução cultural trazida pelas mulheres, funciona em suas cabeças o que ensinava Aristóteles, repetia-o Tomás de Aquino e ainda guarda ressonância no Código de Direito Canônico e na psicologia de Freud: a mulher é um homem que não chegou ainda à sua plenitude. Por isso, o lugar que lhe cabe é apenas de coadjuvante. E eis que emerge uma mulher que rompe com esse preconceito.

É uma mulher que mostrou coragem ao se opor à truculência dos que sequestravam, torturavam e matavam em nome do Estado. Uma mulher que ajudou a construir uma democracia aberta, sem rancor e sem ódios, como se viu na campanha presidencial, e se qualificou como administradora em várias funções públicas. Ela não tem o tipo de Lula, que é o carisma da cabeça, que mais que palavras diz a verdade direta. Ela tem o carisma das mãos, do fazer correto, planejado e rigorosamente cobrado. Sem perder a ternura de mulher, mostra-se exigente, como deve ser.

Há carismas e carismas. A categoria carisma não pode ser monopolizada por um tipo, aquele da palavra criativa e do fascínio que suscita. Há outros tipos de carisma que não, necessariamente, passam pela palavra falada. Se assim fosse, Chico Buarque não seria o carismático que é, pois seu carisma não se realiza pela palavra falada, mas no romance, na poesia e na música.

Esse conceito de carisma vai além do sentido dado por Max Weber. Raro na literatura grega e vétero-testamentária, foi introduzido por são Paulo, que o usou em suas epístolas. O carisma está ligado a duas outras realidades: ao espírito e à comunidade. O espírito é entendido como a fantasia de Deus, o princípio divino de toda criatividade e invenção. Esse espírito suscita todo tipo de carisma, como da inteligência, do aconselhamento, da consolação dos doentes, do ensino, da palavra fácil, da direção de uma comunidade.

O carisma não é do reino do extraordinário, mas do ordinário da vida, como o de cantar, de fazer música e de entreter a comunidade. Não existe nenhum membro ocioso: "Cada qual tem o seu próprio carisma, um de um modo, outro de outro"(1Cor 7,7).

Os carismas vêm do espírito, mas se destinam à construção e à animação da comunidade. Eles não são para a autopromoção, mas para o serviço aos demais. Definindo: carisma é a função concreta que cada qual desempenha dentro da comunidade a bem de todos (l Cor 12,7;Ef 4,7) - função entendida na fé como atuação do espírito criador presente na comunidade.

Apliquemos isso a Dilma. Seu carisma é o do fazimento, da administração, do governo, do planejamento de um projeto de Brasil e da diligência para que se realize no sentido da justiça social, da inclusão dos destituídos, com ética pública, transparência nas decisões e controle dos procedimentos. Após o carisma da cabeça, convém que seja completado com o das mãos.
Para que esse carisma se realize, não basta a vontade de Dilma. Precisa-se do apoio da sociedade, da boa vontade geral e de todos que labutam pelo bem do povo.

Escrito por:Leonardo Boff

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