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4 de junho de 2010

A saudade do servo introjetada na velha diplomacia brasileira

Não há mais oprimido e opressor, mas o cidadão livre

Hegel, em sua "Fenomenologia do Espírito", analisou a dialética do senhor e do servo. O senhor se torna tanto mais senhor quanto mais o servo internaliza em si o senhor, o que aprofunda ainda mais seu estado de servo. A mesma dialética identificou Paulo Freire na relação oprimido-opressor em sua obra "Pedagogia do Oprimido". Quer dizer, o oprimido hospeda em si o opressor e é exatamente isso que o faz oprimido. A libertação se realiza quando o oprimido extrojeta o opressor e começa uma nova história na qual não há mais oprimido e opressor, mas o cidadão livre.

Escrevo isso a propósito dos grandes jornais, com referência à política externa do governo Lula no seu afã de mediar, junto com o governo turco, um acordo com o Irã a respeito do enriquecimento de urânio para fins não militares. Ler nesses jornais, seus editoriais e seus articulistas, reféns do tempo da Guerra Fria, a lógica de amigo-inimigo, é simplesmente estarrecedor. "O Globo" (24.5) fala em "suicídio diplomático". Bem que poderiam colocar no cabeçalho de seus jornais "Sucursal do Império", pois sua voz é mais eco da voz do senhor imperial do que do jornalismo que objetivamente informa e honestamente opina.

As opiniões revelam pessoas que têm saudades desse senhor imperial internalizado, comportando-se como súcubos. Não admitem que o Brasil de Lula ganhe relevância mundial e se transforme num ator político importante como o repetiu, há pouco o secretário geral da ONU, Ban Ki-Moon. Querem vê-lo na periferia colonial, alinhado ao patrão imperial, qual cão amestrado e vira-lata. Posso imaginar o quanto esses jornais sofrem ao ter que aceitar que o Brasil nunca poderá ser o que gostariam que fosse: um Estado agregado como é o Hawai e Porto Rico. Como não há jeito, a maneira de atender à voz do senhor internalizado é difamar, ridicularizar e desqualificar, de forma até antipatriótica, a iniciativa e a pessoa do presidente. Este é notoriamente reconhecido, mundo afora, como excepcional interlocutor, com grande habilidade nas negociações e dotado de singular força de convencimento.

O povo brasileiro abomina a subserviência aos poderosos e aprecia, às vezes ingenuamente, os estrangeiros e os outros povos. Sente-se orgulhoso de seu presidente. Ele é um deles, um sobrevivente da grande tribulação que as elites, tidas por Darcy Ribeiro como das mais reacionárias do mundo, nunca aceitaram porque pensam que seu lugar não é na Presidência, mas na fábrica. Mas a história quis que fosse presidente e que comparecesse como um personagem de grande carisma, unindo em sua pessoa ternura para com os humildes e vigor para sustentar suas posições.

O que estamos assistindo é a contraposição de dois paradigmas de fazer diplomacia: uma velha, imperial, intimidatória, do uso da truculência ideológica, econômica e eventualmente militar, inimiga da paz e da vida, que nunca trouxe resultados duradouros. E outra, do século XXI, que se dá conta de que vivemos numa fase nova da história, dos povos que se obrigam a conviver harmoniosamente num pequeno planeta, escasso de recursos e semi-devastado. Para essa nova situação, impõe-se a diplomacia do diálogo incansável, da negociação do ganha-ganha, dos acertos para além das diferenças. Lula entendeu essa fase planetária. Fez-se protagonista do novo, da estratégia que pode efetivamente evitar a praga da guerra que só destrói e mata. Agora, ou seguiremos essa nova diplomacia, ou nos entredevoraremos. Ou Hillary ou Lula.

Escrito por:LEONARDO BOFF
Teólogo - lboff@leonardoboff.com

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