Related Posts with Thumbnails

18 de junho de 2010

A paz fundada no paradigma do cuidado com o outro

Seja com a Terra, as pessoas ou os outros povos ou países

Fatores de violência e empecilhos à paz são, entre outros, a vontade de poder de um país sobre outro, o patriarcalismo cultural que marginaliza a mulher e a exploração da natureza em vista do benefício material. O patriarcalismo enfraqueceu a dimensão do feminino que nos faz a todos mais sensíveis, rebaixou a inteligência emocional, nicho do cuidado e da experiência ética e espiritual.

Essa parcialidade, negando a dimensão da anima (o feminino), não deixou de afetar fortemente a ética. O núcleo da moralidade clássica herdada dos gregos e aperfeiçoada por Kant, Habermas e Rorty tem por base inconsciente a experiência do animus (masculino). Por isso ela se funda sobre duas pilastras básicas: na justiça que se expressa nos direitos e nos deveres dos homens (deixando invisíveis as mulheres) e na autonomia do indivíduo, na ideia de que só um ser livre pode ser um ser ético.

Ora, essa visão é parcial, pois deixa de fora dimensões fundamentais, próprias, mas não exclusivas do feminino (anima), como as relações afetivas que se dão na família, com os outros, com a natureza e com quem nos sentimos envolvidos. Sem tais relações, a sociedade perde seu rosto humano. Aqui, mais que a justiça, vigora a categoria maior que é a do cuidado. O cuidado é um paradigma que se opõe ao da dominação. É aquela relação que se preocupa e se responsabiliza pelo outro, que se envolve e se deixa envolver com a vida em suas muitas formas, que mostra solidariedade e compaixão, que cura feridas passadas e previne feridas futuras.

A base empírica é a experiência, tão finamente analisada pelo psicanalista inglês D. Winnicott, de que todos necessitamos de ser cuidados, acolhidos, valorizados e amados e desejamos cuidar, acolher, valorizar e amar. As portadoras privilegiadas, mas não exclusivas, dessa experiência são as mulheres.

No transfundo dessa ética do cuidado há uma antropologia mais fecunda que aquela tradicional, base da ética dominante: parte do caráter relacional do ser humano. Ele é um ser, fundamentalmente, de afeto, portador de pathos, de capacidade de sentir e de afetar e de ser afetado. Além da razão intelectual (logos) vem dotado da razão emocional, sensível e da razão espiritual. Ele é um ser-com-os-outros e para-os-outros no mundo. Ele não existe isolado em sua esplêndida autonomia, mas vive sempre dentro de redes de relações concretas e se encontra permanentemente conectado. Não precisa de um contrato social para poder viver junto. Sua natureza consiste em viver comunitariamente.

Sem dúvida, para termos uma cultura da paz duradoura, precisamos de instituições justas. Mas o funcionamento delas não pode ser formal nem burocrático, mas humano. Mais que tudo, devemos nutrir uma cultura generalizada do cuidado para com a Terra, para com as pessoas, especialmente as mais vulneráveis, e nas relações entre os povos para evitar a guerra.
Ao invés do ganha-perde passa a funcionar o ganha-ganha. Com essa estratégia, diminuem os fatores de tensão e de conflito. Para que se chegue à paz são relevantes as virtudes assumidas conscientemente, como a transparência, a disposição ao diálogo e à escuta, a acolhida calorosa do outro. Isso o presidente Lula o enfatizou ao abordar a questão do Irã.

Mas há uma dimensão subjetiva e espiritual que reforça a busca da paz. É a capacidade de perdão e de esquecimento de velhas rixas e conflitos.

Está dentro das possibilidades de nosso ser viver esse tipo de humanismo necessário. É a condição da paz duradoura, vista já por Kant como o fundamento da República mundial.

Escrito por:LEONARDO BOFF
Teólogo - lboff@leonardoboff.com

0 comentários: