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16 de abril de 2010

Profetas da ecologia

Entre os dias 5 e 8 do corrente mês, o Estado do Rio de Janeiro (a cidade e outras vizinhas, especialmente Niterói) conheceu a maior enchente dos últimos 48 anos. O mais terrível foi a morte de centenas de pessoas, soterradas por toneladas de terra e lixo.

Entre outras, três parecem ser as principais causadoras dessa tragédia que, de tempos em tempos, se abate sobre a cidade.

A primeira são as enchentes, típicas dessas áreas subtropicais, Mas ocorre um agravante, que é o aquecimento global. A tragédia do Rio deve ser analisada no contexto de outras ocorrências no Sul do país e na cidade de São Paulo. Durante mais de um mês, São Paulo sofreu enchentes que deixaram bairros inteiros debaixo d’água. Analistas apontaram mudanças nos ciclos hidrológicos causadas pelo aquecimento das águas do Atlântico. Esse quadro tende a se repetir com mais frequência e até com mais intensidade à medida que o aquecimento global se agravar.

A tragédia climática trouxe à luz a tragédia social vivida pelas populações carentes. Essa é a segunda causa. Há mais de 500 favelas dependuradas nas encostas das montanhas que serpenteiam a cidade. Elas não são culpadas pelos deslizamentos, como apontava o governador. Seus habitantes moram nessas regiões de risco porque, simplesmente, não têm para onde ir. Há uma notória insensibilidade geral pelos pobres, fruto do elitismo de nossa tradição colonial e escravagista. O Estado não foi montado para atender a toda a população, mas principalmente as classes já beneficiadas. Nunca houve uma política pública que inserisse as favelas como parte da cidade e as urbanizasse, garantindo-lhes habitação segura e infraestrutura de esgoto, água, luz e transporte. Sempre houve políticas pobres para os pobres - as grandes maiorias da população - e políticas ricas para os ricos. A consequência desse descaso se revela nos desastres que vitimam centenas de pessoas.

A terceira causa é a que eu chamaria de a falta de "profetas da ecologia". Observando ruas e avenidas inundadas, viam-se boiando por sobre as águas todo tipo de lixo, sacos cheios de rejeitos, garrafas plásticas, caixotes e até sofás e armários. Quer dizer, a população não incorporou uma atitude ecológica mínima de cuidar do lixo que produz. Esse lixo entupiu os bueiros e outros sugadouros de águas pluviais, o que provocou a subida repentina das águas torrenciais e seu lento escoamento.

Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, nos oferece um belo exemplo. Sob a orientação de um irmão marista, Antônio Cecchin, que há anos vem trabalhando nos meios pobres em volta da cidade, a cidade organizou centenas de catadores de lixo. Fez levantar cerca de 20 grandes galpões, perto do centro, na ponta da ilha Grande dos Marinheiros, onde o lixo é selecionado, limpado e vendido a diferentes fábricas que o re-utilizam.

Porto Alegre conscientizou os catadores de que, com seu trabalho, estão ajudando a manter a cidade limpa para que seja um lugar em que se possa viver com alegria. Orgulhosamente, os catadores escreveram atrás de cada carrinho, em grandes letras, o seu título de dignidade: "Profetas da Ecologia".

Assumiram como ideal as palavras de um de nossos maiores ecologistas, José Lutzenberger: "Um só catador faz mais pelo meio ambiente no Brasil do que o próprio ministro do Meio Ambiente".

Se existissem esses "profetas da ecologia" no Estado do Rio de Janeiro, as enchentes seriam menos avassaladoras e centenas de vidas seriam poupadas.


Escrito por:LEONARDO BOFF
Teólogo - lboff@leonardoboff.com

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