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26 de fevereiro de 2010

O futuro do homem na Terra e a Sociedade Mundial da Cegueira

O poeta Affonso Romano de Sant’Anna e o Prêmio Nobel de Literatura José Saramago fizeram da cegueira tema para críticas severas à sociedade atual, assentada sobre uma visão reducionista da realidade. Mostraram que há muitos presumidos videntes que são cegos e poucos cegos que são videntes.

Hoje, propala-se pomposamente que vivemos na sociedade do conhecimento, uma espécie de nova era das luzes. Efetivamente assim é. Conhecemos cada vez mais sobre cada vez menos. O conhecimento especializado colonizou todas as áreas do saber. O saber de um ano é maior que todo saber acumulado nos últimos 40 mil anos. Se, por um lado, isso traz inegáveis benefícios, por outro, nos faz ignorantes sobre outras dimensões, impedindo-nos de ver a totalidade.

O que está em jogo hoje é o destino humano e o futuro da biosfera. Objetivamente, estamos pavimentando uma estrada que nos poderá conduzir ao abismo. Por que esse fato brutal não está sendo visto pela maioria dos especialistas, nem dos chefes de Estado, nem da grande mídia? Simplesmente porque, majoritariamente, se encontram enclausurados em seus saberes específicos, nos quais são muito competentes, mas que, por isso mesmo, se fazem cegos para os problemas globais.

Quais dos grandes centros de análise mundial dos anos 60 previram a mudança climática dos anos 90? Que analistas econômicos com Prêmio Nobel anteviram a crise econômico-financeira que devastou os países centrais em 2008? Todos eram eminentes especialistas no seu campo limitado, mas idiotizados nas questões fundamentais. Geralmente, é assim: só vemos o que entendemos. Como os especialistas entendem apenas a mínima parte que estudam, acabam vendo apenas essa mínima parte, ficando cegos para o todo. Mudar esse tipo de saber cartesiano desmontaria hábitos científicos consagrados e toda uma visão de mundo.

É ilusória a independência dos territórios da física, da química, da biologia, da mecânica quântica e de outros. Todos os territórios e seus saberes são interdependentes, uma função do todo.

Dessa percepção nasceu a ciência do sistema Terra. Dela se derivou a teoria Gaia, que não é tema da "New Age", mas resultado da observação científica. Ela oferece a base para políticas globais de controle do aquecimento da Terra, que, para sobreviver, tende a reduzir a biosfera e até o número dos organismos vivos, não excluídos os seres humanos.

Emblemática foi a COP-15 sobre as mudanças climáticas em Copenhague. Como a maioria na nossa cultura é refém do vezo da atomização dos saberes, o que predominou nos discursos dos chefes de Estado eram interesses parciais: taxas de carbono, níveis de aquecimento, cotas de investimento etc. A questão central era outra: que destino queremos para a totalidade que é a nossa Casa Comum? Que podemos fazer coletivamente para garantir as condições para Gaia continuar habitável por nós e por outros seres vivos?

Esses são problemas globais que transcendem nosso paradigma de conhecimento especializado. Temos que desenvolver urgentemente a capacidade de somar, de interagir, de religar, de repensar, de refazer o que foi desfeito e de inovar. Esse desafio se dirige a todos os especialistas para que se convençam de que a parte sem o todo não é parte. Da articulação de todos esses cacos de saber redesenharemos o painel global da realidade a ser compreendida, amada e cuidada. Essa totalidade é o conteúdo principal da consciência planetária, esta sim, a era da luz maior que nos liberta da cegueira que nos aflige.




Escrito por:LEONARDO BOFF
Teólogo - iboff@leonardoboff.com.br

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