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3 de junho de 2011

Conheci um homem: ele foi mais do que um mestre-escola

Esbelto, sempre fumando seu palheiro, foi um desbravador


Esbelto, de figura elegante, sempre fumando seu palheiro, ele foi um desbravador. Quando os colonos italianos não tinham mais terras para cultivar na serra gaúcha, migraram para o interior de Santa Catarina, para as terras de Concórdia, sede de conhecidas empresas de carnes, a Sadia e a Perdigão. Não havia nada, exceto alguns caboclos, sobreviventes da guerra do Contestado, e grupos de indígenas kaigan. Reinavam os pinheirais, soberbos, a perder de vista.

Ele estudara com os jesuítas de São Leopoldo e acumulara vasto saber humanístico. Sabia latim e grego e lia em línguas estrangeiras. Viera para animar a vida daquela gente. Era mestre-escola, figura de referência, respeitadíssimo. Dava aulas de manhã e de tarde. À noite ensinava português para colonos que só falavam italiano e alemão.

Como os adultos tinham especial dificuldade em aprender, fez-se representante de uma distribuidora de rádios. Cada família era obrigada a ter um rádio em casa e assim aprender o "brasiliano", ouvindo programas em português. Montava cata-ventos e pequenos dínamos onde havia uma cascata para que pudessem recarregar as baterias. Como mestre-escola, era um Paulo Freire "avant la lettre".

Conseguiu montar uma biblioteca de 2.000 livros. Cada família levava um livro para casa e, no domingo, depois da reza do terço em latim, formava-se uma roda em que cada um contava, em português, o que havia entendido. Nós ríamos pelo português ruim que falavam. Não ensinava apenas o básico, mas tudo o que um colono devia saber: como medir terras, como devia ser o telhado do paiol, como tirar os juros, como cuidar da mata ciliar e tratar os terrenos em declive.
Introduzia-nos nos rudimentos de filologia, ensinando-nos as palavras latinas e gregas.

Pequenos, sentados atrás do fogão por causa do frio, devíamos recitar todo o alfabeto grego... E mais tarde, no colégio, nos enchíamos de orgulho ao mostrar aos outros e até aos professores de onde vinham as palavras.

Não se restringia às quatro paredes. Saía com os alunos para contemplar a natureza, explicar-lhes os nomes das plantas, a importância das águas e das árvores. Naqueles interiores, distantes de tudo, funcionava como farmacêutico. Salvou vidas usando a penicilina sempre que chamado, não raro tarde da noite. Estudava em livros técnicos os sintomas das doenças e como tratá-las.

Naqueles fundos ignotos do país, havia uma pessoa angustiada por problemas políticos e metafísicos. Sem interlocutores, lia Spinoza, Hegel, Darwin, Ortega y Gasset. Passava horas à noite colado ao rádio para se informar da Segunda Guerra Mundial.

Era crítico da igreja dos padres porque estes não respeitavam os vizinhos, protestantes alemães. Opunha-se com dureza àqueles que discriminavam os "negriti" e os "spuzzetti" (que cheiravam mal).

Sua piedade era interiorizada. Passou-nos um sentido espiritual e ético de vida: ser honesto, nunca enganar e confiar na Providência. Para que seus 11 filhos pudessem chegar à universidade, vendia, aos pedaços, as terras que tinha ou herdara. No fim, vendeu a própria casa.

Morreu jovem, com 54 anos. No mesmo dia em que embarquei para estudar na Europa, seu coração deixou de bater. Os irmãos e as irmãs inscreveram seu lema de vida na sua tumba: "De sua boca ouvimos, de sua vida aprendemos: quem não vive para servir não serve para viver".

No dia 25 de maio de 2011, ele completaria cem anos. Esse mestre-escola sábio e interiorano era Mansueto Boff, meu querido e saudoso pai.


Escrito por: Leonardo Boff




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