Related Posts with Thumbnails

1 de abril de 2011

Uma interpretação feminista do relato da criação da mulher

Houve na história uma era matriarcal anterior à patriarcal


As teólogas feministas nos despertaram para traços antifeministas no atual relato da criação de Eva e da queda original, o que veio reforçar na cultura o preconceito contra as mulheres. Consoante esse relato, a mulher é formada da costela de Adão, que, ao vê-la, exclama: "Eis os ossos de meus ossos, a carne de minha carne; chamar-se-á varoa porque foi tirada do varão; por isso o varão deixará pai e mãe para se unir a sua varoa: e os dois serão uma só carne".

O sentido originário mostrava a unidade homem/mulher. Mas a anterioridade de Adão e a formação a partir de sua costela foi interpretada como superioridade masculina. O relato da queda é também antifeminista: "Viu a mulher que o fruto daquela árvore era bom para comer. Tomou do fruto e o comeu; deu-o também a seu marido; imediatamente se lhes abriram os olhos e se deram conta de que estavam nus".

Interpreta-se a mulher como sexo fraco, pois foi ela que caiu na tentação e seduziu o homem. Eis a razão de seu submetimento histórico, agora ideologicamente justificado: "estarás sob o poder de teu marido e ele te dominará".

Há uma leitura mais radical de duas teólogas feministas: Riane Eisler ("Sacred Pleasure, Sex Myth and the Politics of the Body", 1995) e Françoise Gange ("Les Dieux Menteurs", 1997). Essas autoras partem de que houve uma era matriarcal anterior à patriarcal. Segundo elas, o relato do pecado original seria introduzido por interesse do patriarcado como uma peça de culpabilização das mulheres para arrebatar-lhes o poder. O atual relato do pecado original coloca em xeque os quatro símbolos fundamentais do matriarcado.

O primeiro símbolo é a mulher em si, que, na cultura matriarcal, representava o sexo sagrado, gerador de vida. Como tal ela simbolizava a Grande Mãe. Agora, é feita a grande sedutora.
No segundo, desconstrói-se o símbolo da serpente, que representava a sabedoria divina, que se renovava sempre como se renova a pele da serpente.

No terceiro, desfigura-se a árvore da vida, tida como um dos símbolos principais da vida, gestada pelas mulheres, agora colocada sob o interdito: "Não comais nem toqueis de seu fruto".
No quarto, se distorce o caráter simbólico da sexualidade, tida como sagrada, pois permitia o acesso ao êxtase e ao conhecimento místico, representada pela relação homem-mulher.

Ora, o que faz o atual relato do pecado original? Inverte totalmente o sentido profundo e verdadeiro desses símbolos. Dessacraliza-os, diaboliza-os e transforma o que era bênção em maldição.

A mulher é eternamente maldita, feita um ser inferior. Sedutora do homem que "a dominará". E o poder de dar a vida será realizado entre dores.

A serpente será maldita, inimiga da mulher, que lhe ferirá a cabeça, mas que será mordida no calcanhar.

A árvore da vida e da sabedoria cai sob o signo do interdito. Antes, na cultura matriarcal, comer da árvore da vida era se imbuir de sabedoria. Agora, comer dela significa perigo letal.

O laço sagrado entre o homem e a mulher é substituído pelo laço matrimonial, ocupando o homem o lugar de chefe e a mulher de dominada.

Aqui se operou uma desconstrução profunda do relato anterior, feminino e sacral. Hoje todos somos reféns do relato adâmico, antifeminista e culpabilizador, como está no Gênesis.

As teólogas feministas nos apontam quão profundas são as raízes da dominação das mulheres.

Ao resgatarem o relato mais arcaico, feminista, elas propõem uma relação nova com a vida, com os gêneros, com o poder, com o sagrado e com a sexualidade.


Escrito por: Leonardo Boff


0 comentários: