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29 de abril de 2011

No Wisconsin e nos países árabes: "O mesmo mundo, a mesma dor"

Uma vez despertada, a consciência jamais será sufocada

A globalização trouxe uma externalidade, quer dizer, um efeito não desejado e incômodo para o poder imperante, fundado no individualismo: a conexão de todos com todos, de sorte que os problemas de um povo se tornam significativos para outros em situação semelhante. Então se estabelecem laços de solidariedade e surge uma comunidade de destino.

É o que está ocorrendo com os levantes populares, animados por jovens universitários, no mundo árabe e em nove Estados norte-americanos. Esses levantes quase não repercutiram em nossa imprensa, pois mostram a vulnerabilidade da potência central. Mas um jovem egípcio levantou um cartaz com os dizeres: "O Egito apoia os trabalhadores de Wisconsin: o mesmo mundo, a mesma dor". Como num eco, um universitário estadunidense, voltando da guerra, levanta um cartaz com os dizeres: "Fui ao Iraque e voltei à minha casa no Egito".

Quem imaginaria que em Madison, capital de Wisconsin, com 250 mil habitantes, haveria uma manifestação de 100 mil pessoas vindas de outras cidades norte-americanas para protestar contra medidas tomadas pelo governador que atam as mãos dos sindicatos nas negociações, aumentam os impostos da saúde e diminuem as pensões? O mesmo ocorreu em Michigan, onde o governador conseguiu aprovar uma lei que lhe permitiu nomear uma empresa com o poder de governar, isentou em 86% o imposto das empresas e aumentou em 31% aquele dos contribuintes pessoais. Tudo isso porque Wall Street, além de saquear as pensões e as economias da população, quebrou os planejamentos financeiros dos Estados. E a população mais vulnerável é obrigada a pagar as contas feitas pelos que mereciam estar na cadeia por falcatruas contra a economia mundial.

Conseguiram para eles uma concentração de riqueza como nunca vista antes. Segundo Michael Moore, o famoso cineasta, em apoio aos manifestantes em Wisconsin, atualmente 400 norte-americanos têm a mesma quantidade de dinheiro que a metade da população dos Estados Unidos. Enquanto um entre três trabalhadores ganha US$ 8/hora (antes eram US$ 10/hora), executivos de empresas ganham US$ 11.000 dólares/hora, sem contar benefícios e gratificações. Há um despertar democrático nos EUA. Já não se aceita essa vergonhosa disparidade. Condenam-se os custos de duas guerras perdidas, contra o Iraque e o Afeganistão, que levaram ao sucateamento de escolas, hospitais, do transporte público e outros serviços sociais. Há 50 milhões de pessoas sem seguro de saúde e 45 mil morrem anualmente sem um diagnóstico ou tratamento.

O mundo árabe está vivendo uma modernidade tardia, aquela que sempre propugnou pelos direitos humanos, pela cidadania e pela democracia. Como a maioria dos países é riquíssima em petróleo, as potências ocidentais toleravam e até apoiavam governos ditatoriais e tirânicos.
O que interessava a elas não era o respeito à dignidade das pessoas e a busca de formas democráticas de participação. Pura e simplesmente, era o petróleo. Ocorre que os meios modernos de comunicação digital e o crescimento da consciência mundial, em parte tornada visível pelos vários fóruns sociais mundiais e regionais, acenderam a chama da democracia e das liberdades. Uma vez despertada, a consciência da liberdade jamais poderá ser sufocada. Os tiranos podem fazer seus súditos cantarem hinos à liberdade, mas esses querem eles mesmos buscar a liberdade, que nunca é concedida, mas sempre conquistada, mediante um penoso processo de libertação. Agora é a hora e a vez dos árabes.


Escrito por: Leonardo Boff



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