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2 de março de 2011

Crianças têm vidas expostas na internet cada vez mais cedo

Vídeos e fotos antes usados entre família agora são motivo de promoção na web

NOVA YORK, EUA. O fenômeno de popularização da internet mudou um pouco os hábitos das famílias. Onde costumava haver privacidade, hoje muitos publicam fotos e vídeos em redes sociais para que todos vejam o que se está fazendo. As imagens particulares são promovidas para que recebam o maior número de visualizações e comentários. E esse fenômeno atingiu também as crianças.

Antigamente se pensava que as fotografias mais íntimas dos seus filhos, ou os filminhos que você fez deles, seriam mostrados apenas para outros familiares e amigos (entediados). Os vídeos eram chamados de "filmes caseiros", porque você os fazia em casa e os mostrava em casa. Agora, mais e mais pais fotógrafos estão divulgando seus vídeos domésticos para todo mundo. A espontaneidade e a casualidade de se tirar fotos de família deram lugar à exibição calculada e posada de familiares, muitas vezes crianças.

Um estudo recente publicado pela AVG, empresa de segurança na internet, descobriu que 92% das crianças norte-americanas têm presença online quando chegam aos 2 anos de idade. Um terço das mães ouvidas nos Estados Unidos disse que tinham postado fotos dos seus recém-nascidos online e 34% delas publicaram sonogramas dos seus bebês no ventre. Segundo o estudo, as norte-americanas são mais prováveis de postar fotos dos seus filhos online do que as mães de qualquer outro país do mundo.

O estudo refere-se à primeira aparição da criança na internet como seu "nascimento digital". E o termo parece bem apropriado. Desse momento em diante, essas crianças terão duas vidas: uma supostamente vivida de forma deliberada; e a outra digitalizada, sujeita ao crivo de inúmeros olhos, além de inúmeros usos e propósitos desconhecidos. E isso levanta uma questão sobre livre escolha. Diferentemente dos adultos, que postam fotos deles próprios em sites de relacionamento social, esses bebês e crianças têm imagens transmitidas por todo o mundo não propriamente contra sua vontade, mas antes de poderem ao menos se manifestar sobre o assunto.

Sucesso. A gente torce o nariz para vídeos de animais sendo maltratados em um momento de indignidade, mas a internet se deleita com vídeos de bebês e crianças capturados em situações embaraçosas, como se fossem ursos dançantes, simplesmente para nossa suposta diversão.

É o caso de "Baby Dancing to Beyoncé" (Bebê Dançando Beyoncé), vídeo viral no Yahoo! e no YouTube há alguns anos. "Cory tinha 13 meses quando o pegamos na sala da avó dele dançando em frente ao vídeo ‘Single Ladies’, da Beyoncé", descreve a legenda da gravação.
Mais de um milhão de pares de olhos viram o menino por trás, vestido de fralda, com as mãos em uma mesinha de centro, levantando e abaixando o bumbum, rebolando como Beyoncé e duas mulheres que dançam de forma provocante e sensual na tela na sua frente. Feliz aniversário digital, garoto.

Em outro sucesso do YouTube, "David After Dentist" (David Depois do Dentista), um menino de 7 anos, aparentemente sedado, no banco de trás do carro, fala de forma confusa enquanto seu pai o enche de perguntas. Pai: "Está se sentindo bem?" David: "Não estou conseguindo ver nada". Pai: "Sim, você consegue". Quase 82 milhões viram David.

Certamente houve precedentes a essas exibições. Em 1992, muita gente questionou se os retratos que a fotógrafa Sally Mann fez de seus filhos nus seriam pornografia; 12 anos antes, propagandas trazendo Brooke Shields com 15 anos usando calça Calvin Klein bem justa e mostrando a barriga provocaram a mesma preocupação.

Sala de parto. Muita gente agora leva câmeras fotográficas e filmadoras para a hora do nascimento. A ideia de que qualquer coisa, ou qualquer pessoa pequenininha, mereça passar pelas lentes digitais virou uma aberração. Muita gente tira foto dos bebês pelados ou fazendo algo constrangedor e logo publica na rede.

E, quanto ao parto, não são poucas as pessoas que correm para colocar no YouTube, no Orkut ou em outra rede social a chegada do filho antes mesmo de trocarem a primeira fralda dele em casa.


Menino não pode se defender de invasão de privacidade
NOVA YORK. Sempre é moralmente problemático quando os membros mais vulneráveis da sociedade, as crianças, têm suas imagens usadas, já que eles não têm capacidade de recusar ou consentir.

Susan Sontag escreveu que "existe uma agressão implícita em todo uso da câmera". A fotografia, disse ela, é uma "ferramenta de poder". Fotografar crianças que mal entendem o que está acontecendo traz à mente atos de abdução e escravidão, ou o vilão Stromboli, que, para ganhar dinheiro, força Pinóquio a ser um fantoche quando tudo que o boneco quer é virar apenas um menino inocente.

A transmissão de imagens dos filhos na internet para uma grande audiência não deve ser assemelhada, por exemplo, às fotos dos filhos nus de Sally Mann, que eram obras de arte sutis e complexas com toda sua expressividade. Campanhas da Calvin Klein deixaram as pessoas irrequietas quanto à atmosfera que a imagem de Brooke estava criando, não pela própria Brooke.

Diferentemente da mesma jovem Brooke Shields, que apareceu em um comercial da Ivory Snow quando tinha 11 meses de idade, as crianças inocentes de "Bebê Dançando Beyoncé" e "David After Dentist" não estão presentes em um contexto exclusivamente profissional.

A proliferação de bebês e crianças adoráveis na internet faz pensar, acima de tudo, em como essas crianças estão sendo percebidas pelos pais que capturam suas imagens. Isso está modificando a forma como os bebês e crianças estão aprendendo a ver a si próprias. "Eu preferiria ser inteligente a ser um ator", diz Pinóquio ao Grilo Falante no filme da Disney, logo após ter conseguido fugir do circo de Stromboli.

No mundo infinitamente expansivo da diversão pela internet, parece que bebês e crianças só existem como atores. E o que eles aturam geralmente é a personificação dos adultos. É como se a ideia de inocência tenha nos tornado tão estranhos a nós mesmos que acabamos tendo que usar uma câmera para transformar as crianças em reflexos dos nossos eus adultos, e de nossas maiores prioridades adultas.


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