Related Posts with Thumbnails

25 de fevereiro de 2011

O discurso teológico e sentimento do mundo

Se Deus existe como as coisas existem, Deus não existe

Muitos estranham o fato de que, sendo teólogo e filósofo de formação, me meta em assuntos como ecologia, política, aquecimento global e outros.

Eu sempre respondo: faço, sim, teologia pura, mas me ocupo também de outros temas exatamente porque sou teólogo. A tarefa do teólogo, já ensinava o maior deles, Tomás de Aquino, na primeira questão da Suma Teológica, é estudar Deus e sua revelação e, em seguida, todas as demais coisas "à luz de Deus"(sub ratione Dei), pois Ele é o princípio e o fim de tudo.


Falar de Deus e ainda das coisas é uma tarefa quase irrealizável. Como falar de Deus se Ele não cabe em nenhum dicionário? Como refletir sobre todas as demais coisas se os saberes sobre elas são tantos que ninguém individualmente pode dominá-los? Logicamente, não se trata de falar de economia com um economista ou de política com um político.

Mas falar de tais matérias na perspectiva de Deus, o que pressupõe conhecer previamente essas realidades de forma crítica. Somente depois desse árduo labor, pode o teólogo se perguntar como elas ficam quando confrontadas com Deus? Como se encaixam numa visão mais transcendente da vida e da história?

Fazer teologia não é uma tarefa como qualquer outra. É coisa seriíssima, pois se trabalha com a categoria "Deus", que não é um objeto tangível como todos os demais. Por isso, é destituída de qualquer sentido a busca da partícula "Deus" nos confins da matéria e no interior do "Campo Higgs". Isso suporia que Deus seria parte do mundo. Desse Deus eu sou ateu. Ele seria um pedaço do mundo e, não, Deus.

Faço minhas as palavras de um sutil teólogo franciscano, Duns Scotus (+1308), que escreveu: "Se Deus existe como as coisas existem, então Deus não existe". Quer dizer, Deus não é da ordem das coisas que podem ser encontradas e descritas. É a pré-condição e o suporte para que essas coisas existam. Sem Ele, as coisas teriam ficado no nada ou voltariam ao nada. Essa é a natureza de Deus: não ser coisa, mas a origem das coisas.

É muito complicado fazer teologia. Henri Lacordaire (+1861) disse com razão: "O doutor católico é um homem quase impossível: pois tem de conhecer todo o depósito da fé e os atos do papado e ainda o que são Paulo chama de os elementos do mundo’, isto é, tudo e tudo".

Lembremos o que asseverou Descartes (+1650) no "Discurso do Método", base do saber moderno: "Se eu quisesse fazer teologia, era preciso ser mais que um homem". E Erasmo de Roterdam (+1536), o sábio dos tempos da Reforma: "Existe algo de sobre-humano na profissão do teólogo". Não nos admira que Heidegger tenha dito que uma filosofia que não se confrontou com as questões da teologia não chegou plenamente ainda a si mesma. Refiro isso não como automagnificacão da teologia, mas como confissão de que a tarefa é quase impraticável.

Meu sentimento do mundo me diz que, hoje, a teologia tem que proclamar aos gritos: temos que preservar a natureza e nos harmonizar com o universo. Aí se encontra o que Ele nos quer dizer. Ele nos deu as Escrituras, cristãs e de outros povos, para que reaprendêssemos a ler o livro da natureza. Ela está sendo devastada. E, com isso, destruímos nosso acesso à revelação de Deus.

Temos, pois, que falar da natureza e do mundo à luz de Deus e da razão. Sem a natureza e o mundo preservados, os livros sagrados perderiam seu significado, que é nos reensinar a ler a natureza e o mundo. O discurso teológico tem, pois, o seu lugar junto com os demais discursos.

Escrito por: Leoanardo Boff



0 comentários: