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12 de novembro de 2010

As igrejas e o Estado laico, que respeita todas religiões

Laicidade é um valor social nas modernas sociedades

A descriminalização do aborto e a união civil de homossexuais, temas suscitados na campanha eleitoral, ensejam uma reflexão sobre a laicidade do Estado brasileiro, expressão do amadurecimento de nossa democracia. Laico é o Estado que não é confessional; este estabelece uma religião, a majoritária, como oficial. Laico é o Estado que não impõe nenhuma religião, mas respeita todas, mantendo-se imparcial diante de cada uma delas. Essa imparcialidade não significa desconhecer o valor espiritual e ético de uma confissão religiosa. Por respeito à consciência, o Estado garante o pluralismo religioso.

Por causa dessa imparcialidade, não é permitido ao Estado laico impor, em matéria controversa de ética, comportamentos derivados de ditames ou dogmas de uma religião, mesmo dominante. Ao entrar no campo político e assumir cargos no Estado, não se pede a cidadãos religiosos que renunciem a suas convicções. O que se cobra deles é que não pretendam impor sua visão a todos os demais nem traduzir em leis gerais seus pontos de vista particulares. A laicidade obriga a todos superar os dogmatismos em favor de uma convivência pacífica e, diante dos conflitos, buscar pontos de convergência comuns. Nesse sentido, a laicidade é um princípio da organização jurídica e social do Estado moderno.

Subjacente à laicidade, há uma filosofia humanística, base da democracia: o respeito incondicional ao ser humano e o valor da consciência individual, independentemente de seus condicionamentos. Trata-se de uma crença não em Deus e nas religiões, que melhor chamaríamos de fé, mas de crença no ser humano como valor. Ela se expressa pelo reconhecimento do pluralismo e da convivência entre todos.

Não será fácil. Quem está convencido da verdade de sua posição será tentado a divulgá-la e ganhar adeptos para ela. Mas está impedido de usar meios massivos para fazer valê-la aos outros. Seria proselitismo e fundamentalismo.

Laicidade não se confunde com laicismo. Este configura uma atitude que visa erradicar da sociedade as religiões, como ocorreu com o socialismo soviético para dar espaço apenas a valores seculares e racionais. Esse comportamento é religioso ao avesso e desrespeita as pessoas religiosas.

Setores de Igreja ferem a laicidade quando, como ocorreu entre nós, aconselharam a seus membros a não votar em certa candidata por ela apoiar a descriminalização do aborto por razões de saúde pública ou aceitar as uniões civis de homossexuais. Essa atitude é inaceitável dentro do regime laico e democrático que é o convívio legítimo das diferenças.

A ação política visa à realização do bem comum concretamente possível nos limites de uma determinada situação e de um certo estado de consciência coletivo. Pode ocorrer que, devido às muitas polêmicas, não se consiga alcançar o melhor bem comum concretamente possível. Nesse caso, é razoável tolerar um mal menor para evitar um mal maior.

A laicidade eleva todos os cidadãos religiosos a um mesmo patamar de dignidade. Essa igualdade não invalida os particularismos próprios de cada religião, apenas cobra dela o reconhecimento dessa mesma igualdade às outras religiões.

Mas não há apenas a laicidade jurídica. Há ainda uma laicidade cultural e política que, entre nós, é geralmente desrespeitada. A maioria das sociedades laicas atuais é hegemoneizada pela cultura do capital.

Mesmo assim, não se invalida a laicidade como valor social.

Escrito por:Leonardo Boff

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