
Agora, o escândalo dos padres pedófilos fez com que surgisse também um vigoroso clamor por reformas na Igreja. Não vem apenas de baixo como no tempo da Reforma, mas principalmente de cima, de cardeais e bispos. Inicialmente, tentou-se desqualificar os fatos como "fofocas midiáticas"; depois, procurou-se ocultá-los, usando até o "sigilo pontifício" a pretexto de salvaguardar a santidade intrínseca da Igreja; em seguida, criou-se o factoide de um complô de obscuras forças laicistas contra a Igreja e, por fim, face à impossibilidade de qualquer via de desculpa e fuga, a verdade incômoda veio à tona.
O papa tomou medidas consideradas insuficientes por muitos da própria Igreja. Pois não bastam a "tolerância zero" e as punições canônicas e civis. Isso vem depois de cometido o delito. Nada se diz de como evitar que tais escândalos se repitam e que reformas introduzir na vivência do celibato e na educação dos candidatos ao sacerdócio. Não se coloca como prioritária a salvaguarda das vítimas inocentes, muitas delas revelando um vazio espiritual, fruto da traição que sentiram da Igreja, num misto de culpa e de vergonha.
Em seguida, as autoridades fizeram-se mutuamente graves acusações. O cardeal Cristoph Schönborn, de Viena, acusou o cardeal Angelo Sodano, quando este era secretário de Estado (o primeiro posto depois do papa), de ter ocultado a pedofilia de seu antecessor na sede, o cardeal Hans-Herrman Groër. Bispos alemães criticaram a conferência episcopal de não ter sido suficientemente vigilante face aos notórios abusos sexuais do bispo de Ausgburg, Walter Mixa, obrigado a renunciar. O mesmo refere-se ao bispo de Bruges, na Bélgica, que abusou por oito anos de um seu sobrinho.
Impactante é a autocrítica feita pelo arcebispo de Camberra, Mark Coleridge, reconhecendo que a moral da Igreja concernente ao corpo e à sexualidade é rígida e jansenista, criando nos seminaristas uma "imaturidade institucionalizada", além da tendência à discrição e ao segredo face aos delitos, para manter o bom nome da Igreja, fruto de um hipócrita triunfalismo.
O primaz da Irlanda, Diarmuid Martin, se perguntou sinceramente pelo futuro da Igreja em seu país, tal o número de pedófilos nas instituições por muitos anos. Reconheceu que reformas são urgentes, pois a Igreja "não pode ficar aprisionada em seu passado", mas deve introduzir mudanças fundamentais em sua estrutura que impeçam tais desvios.
O documento talvez mais lúcido e corajoso veio do bispo auxiliar de Camberra, Pat Power. Este cobra uma "reforma sistêmica e total das estruturas da Igreja". Afirma que, "na condução da Igreja, toda masculina, não reside toda a sabedoria, mas que ela deve ouvir a voz dos fieis". Com coragem, reconhece que, "se as mulheres tivessem mais poder de decisão, não chegaríamos à crise atual".
Poderíamos aduzir outras vozes de altas autoridades eclesiásticas. Mas o importante é constatar que esse escândalo, que afetou o capital de ética e confiança da Igreja instituição, paradoxalmente deixou um legado positivo: suscitou as reformas, aprovadas pelo Concílio Vaticano II. Essas foram boicotadas pela Cúria e pelos dois últimos papas, que se alinharam a uma visão conservadora e contrária a toda modernidade.
Escrito por:LEONARDO BOFF
Teólogo - lboff@leonardoboff.com
fonte:Otempo
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