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23 de julho de 2010

A verdadeira crise da Igreja está no poder da instituição

A pedofilia na Igreja romano-católica não é nada

A pedofilia na Igreja romano-católica não é nada em comparação à verdadeira crise, essa sim, estrutural, que concerne à sua institucionalidade histórico-social. Não me refiro à Igreja como comunidade de fiéis. Essa continua viva, se organizando de forma comunitária e não piramidal como a Igreja da tradição. A questão é: que tipo de instituição representa essa comunidade de fé? Atualmente, ela comparece como defasada da cultura contemporânea e em forte contradição com o sonho de Jesus, percebida pelas comunidades que se acostumaram a ler os evangelhos em grupo e então a fazer a suas análises.

Dito de forma breve, mas não caricata: a instituição Igreja se sustenta sobre duas formas de poder: um, secular, organizativo, jurídico e hierárquico, herdado do Império Romano, e outro, espiritual, assentado sobre a teologia política de santo Agostinho acerca da Cidade de Deus. Não é tanto o Evangelho ou a fé cristã que contam, mas esses poderes, considerados como um único "poder sagrado" (potestas sacra) também na forma de sua plenitude (plenitudo potestatis) no estilo imperial romano.César detinha o poder político, militar, jurídico e religioso. O papa detém igual poder: "ordinário, supremo, pleno, imediato e universal" (canon 331). Atributos só cabíveis a Deus. O papa, institucionalmente, é um César batizado.

Esse poder que estrutura a instituição Igreja foi se constituindo a partir do ano 325 com o imperador Constantino e oficialmente instaurado em 392 quando Teodósio, o Grande (+395), impôs o cristianismo como religião de Estado. A instituição Igreja assumiu esse poder com todos os títulos, honrarias e hábitos palacianos, que perduram até hoje no estilo de vida de bispos, cardeais e papas.

Esse poder ganhou formas totalitárias, a partir do papa Gregório VII, que em 1075 se autoproclamou senhor absoluto da Igreja e do mundo. Radicalizando, Inocêncio III (+1216) se apresentou não apenas como sucessor de Pedro, mas como representante de Cristo. Inocêncio IV (+1254) se anunciou como representante de Deus e senhor da Terra. Só faltava proclamar o papa infalível, o que ocorreu sob Pio IX, em 1870.

Ora, essa instituição encontra-se hoje em processo de erosão. Ou a Igreja, corajosamente, muda e assim encontra seu lugar no mundo moderno, metabolizando o processo de globalização, e aí terá muito a dizer, ou se condena a ser uma seita ocidental cada vez mais irrelevante e esvaziada. O projeto atual de Bento XVI, de "reconquista" da visibilidade da Igreja contra o mundo secular, é fadado ao fracasso se não proceder a uma mudança institucional. As pessoas não aceitam mais uma Igreja autoritária e triste. Estão abertas à saga de Jesus, a seu sonho e valores evangélicos.

Esse crescendo na vontade de poder impede qualquer reforma da instituição Igreja, pois tudo nela seria divino e intocável. Realiza-se plenamente a lógica do poder, descrita por Hobbes em seu "Leviatã": "o poder quer sempre mais poder porque não se pode garantir o poder senão buscando mais e mais poder". Uma instituição Igreja que busca o poder absoluto fecha as portas ao amor e se distancia dos sem-poder, os pobres. Perde o rosto humano e se faz insensível aos problemas existenciais, como os da família e da sexualidade.

O Concílio Vaticano II (1965) procurou curar esse desvio pelos conceitos de povo de Deus, de comunhão e de governo colegial. Mas o intento foi abortado por João Paulo II e Bento XVI, que voltaram a insistir no centralismo romano, agravando a crise.

O que um dia foi construído pode ser, num outro, desconstruído.

Escrito por:LEONARDO BOFF
Teólogo - lboff@leonardoboff.com

fonte:Otempo

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