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9 de julho de 2010

Elogio à sesta, que faz bem à saúde e nos torna inteligentes

Ela nos dá uma segunda noite e dois nasceres do sol


Depois que Zuenir Ventura se aventurou a exaltar os benefícios da sesta como algo que faz bem à saúde e, mais, que representa uma necessidade biológica, tornando as pessoas mais inteligentes, me animei a fazer o elogio da sesta. É um propósito que alimento há anos, tendo feito até pesquisas sobre o assunto. Sou um inveterado sesteiro. Tão inveterado que condiciono algumas palestras à possibilidade de fazer uma pequena sesta nem que seja numa cadeira.

Em Friburgo, na Alemanha, tomaram tão a sério a minha vontade que montaram uma cama de campanha para que eu pudesse fazer a bendita sesta. Mas não aconteceu, porque alguns alemães têm o mau gosto de organizar, durante o almoço, um encontro com quem quer conversar até sobre questões metafísicas. O resultado é que estragam seu almoço e, o que é pior, não tem mais tempo de fazer a indispensável sesta.

Vou para a cama sempre recalcitrando. Não gosto de dormir e retardo o mais que posso a hora de me deitar. Mas há poucas coisas melhores do que uma boa sesta. Bastam uns 20 minutos. À exceção dos sábados e domingos. Aí tomo, como bom descendente de italianos, dois copos de vinho. Não é tanto pelo vinho, mas pelo que ele propicia: uma sesta mais profunda e prolongada. Aí eu durmo "a piernas sueltas", como dizem os espanhóis, bem traduzido pelos mineiros: "durmo de pé espalhado".

É misteriosa a origem da sesta. Mas por sua bondade intrínseca deve estar ligada à antropogênese, quer dizer, deve existir desde que irrompeu o ser humano. Se até os animais fazem sesta, como não iríamos fazê-la nós humanos, o mais complexo dos animais?

Alguns acham que no Ocidente ela foi oficialmente introduzida pelos monges e frades. Há um dito saboroso em espanhol que diz: "si quieres matar un fraile, dale de tomer tarde e quitale la siesta"; traduzindo: "se queres matar um frade, dá-lhe de comer tarde e tira-lhe a sesta". Na Espanha, a sesta é tão sagrada que grande parte do comércio fecha por duas horas. Nos conventos, assisti a frades que chegavam a colocar pijama, especialmente depois de tomarem uns bons copos de vinho, seguidos de um excelente conhaque.

Conta-se que Newton e Churchil tiveram suas melhores ideias depois da sesta. Victor Hugo falou da sesta ao se referir ao leão num poema que tem por título "La meridienne du lion" (a sesta do leão). Beaudelaire, en "La Belle Dorothée", diz inteligentemente (porque fazia sesta): "a sesta é uma espécie de morte saborosa, na qual quem dorme, semi acordado, degusta as volúpias de seu desaparecimento". René Louis, em suas "Mémoires d´un Siesteur"(memórias de um sesteiro), diz muito bem: "a sesta permite me observar dormindo; é o momento em que o tempo para e se cala". F. Audouard, em seus "Pensées", diz belamente: "Na Provence, o sol nasce duas vezes: de manhã e depois da sesta".

Aqui está a vantagem da sesta: ela nos brinda com uma segunda noite e dois nasceres do sol. A sesta nos permite ter, no mesmo dia, um segundo dia. Ao despertar da sesta, tudo recomeça como se reiniciássemos o dia.

Se me tolhem a sesta, o corpo se vinga, especialmente durante as palestras que ouço: dormito, pestanejo e, não raro, durmo mesmo. Nem posso imaginar um dia inteiro com atividade mental, prestando atenção a tantas coisas e tendo que ordenar não sei quantas ideias sem uma sesta reparadora.

A sesta é uma sábia invenção da vida. Descansa a cabeça, faz esquecer os aborrecimentos e nos dá a rara experiência virtual de docemente morrer (o sono é uma bela metáfora da morte) e de novo ressuscitar.

Escrito por:LEONARDO BOFF
Teólogo - lboff@leonardoboff.com


fonte:Otempo

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