Nascida na periferia do mundo, é uma resposta à crise atual
Por todas as partes no mundo, cresce a resistência ao sistema de dominação do capital globalizado pelas corporações multilaterais sobre as nações, as pessoas e a natureza. Está surgindo um design ecologicamente orientado por práticas e projetos que já ensaiam o novo. A base é a economia solidária, o respeito aos ciclos da natureza, a sinergia com a Mãe Terra, a economia a serviço da vida e não do lucro, e uma política sustentada pela hospitalidade, pela tolerância, pela colaboração e pela solidariedade entre os povos, demovendo as bases do fundamentalismo religioso e político.
Entre muitos projetos existentes na América Latina, queremos destacar dois pela relevância universal: o "Bem Viver" e a "Democracia Comunitária e da Terra" como expressão de um novo tipo de socialismo.
O "Bem Viver" está presente ao longo de todo o continente sob muitos nomes, dos quais dois são mais conhecidos: suma qamaña (da cultura aymara) e suma kawsay (da cultura quéchua). Ambos significam "o processo de vida em plenitude". Esta resulta da vida pessoal e social em harmonia e equilíbrio material e espiritual.
Primeiramente, é um saber viver e, em seguida, um saber conviver com os outros. Procura-se uma economia não da acumulação de riqueza, mas da produção do suficiente para todos, respeitando os ciclos da Pacha Mama e as necessidades das gerações futuras.
Esse "Bem Viver" não tem nada a ver com o nosso "viver melhor" ou "qualidade de vida". O nosso viver melhor supõe acumular meios materiais para consumir mais dentro da dinâmica de um progresso ilimitado, cujo motor é a competição e o uso da natureza, sem respeitar seu valor intrínseco e sem se reconhecer parte dela. Para que alguns possam viver melhor, milhões têm que viver mal.
O "Bem Viver" não se identifica simplesmente com o nosso "bem comum", pensado em função dos seres humanos em sociedade, num antropo e sociocentrismo inconsciente. O "Bem Viver" abarca tudo o que existe, a natureza com seus diferentes seres, todos os humanos, o equilíbrio entre todos e com os espíritos, com Deus, para que todos possam conviver harmonicamente.
Essa categoria do "Bem Viver" e do "Viver Bem" entrou nas Constituições do Equador e da Bolívia. A grande tarefa do Estado é criar as condições desse "Bem Viver" para todos os seres e não só para os humanos.
Essa perspectiva, nascida na periferia do mundo, com toda sua carga utópica, se dirige a todos, pois é uma tentativa de resposta à crise atual. Ela poderá garantir o futuro da vida, da humanidade e da Terra.
A outra contribuição latino-americana para um outro mundo possível é a "Democracia Comunitária e da Terra". Trata-se de um tipo de vida social reprimida pela colonização, mas que agora, com o movimento indígena resgatando sua identidade, está atraindo o olhar dos analistas.
É uma forma de participação que vai além da democracia representativa e participativa, de cunho europeu. Ela as inclui, mas aporta um elemento novo: a comunidade como um todo.
Ela se distingue do outro tipo de democracia por incluir toda a comunidade, a natureza e a Mãe Terra. Reconhecem-se os direitos da natureza, dos animais, das florestas, das águas, como aparece nas Constituições do Equador e da Bolívia. A democracia será então sócioterrenal-planetária.
Há os que dizem: tudo isso é utopia. E de fato é. Mas uma utopia necessária. Já existem sinais antecipadores desse futuro.
Escrito por : Leonarod Boff
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