Mas importa continuar; o improvável é ainda possível
Na perspectiva das grandes maiorias da humanidade, a atual ordem é uma ordem na desordem, produzida e mantida por aquelas forças e países que se beneficiam dela, aumentando seu poder e seus ganhos. Essa desordem deriva do fato de que a globalização econômica não deu origem a uma globalização política. Não há nenhuma instância ou força que controle a voracidade da globalização econômica. Joseph Stiglitz e Paul Krugman, dois prêmios Nobel em economia, criticam o presidente Obama por não ter imposto freios aos ladrões de Wall Street e da City, ao invés de se ter rendido a eles. Depois de terem provocado a crise, ainda foram beneficiados com inversões bilionárias de dinheiro público.
Aqueles economistas são ótimos na análise, mas mudos na apresentação de saídas à atual crise. Talvez por estarem convencidos de que a solução não esteja na economia, mas no refazimento das relações sociais, destruídas pela economia de mercado. Esta é desprovida de qualquer projeto de mundo e de sociedade. Seu propósito é acumular maximamente, apropriando-se de bens comuns vitais, como a água e o solo.
Para os especuladores, o dinheiro serve para produzir mais dinheiro e não para produzir mais bens. Aqui, o governo tem que pagar R$ 150 bilhões anuais pelos empréstimos tomados, enquanto repassa apenas R$ 60 bilhões para os projetos sociais.
Essa disparidade é eticamente perversa, consequência do tipo de sociedade a qual nos incorporamos, na qual tudo é mercadoria, até a vida.
Não são poucos os que sustentam a tese de que estamos num momento dramático de decomposição dos laços sociais. Alain Touraine fala até de fase pós-social, ao invés de pós-industrial.
Essa decomposição social se revela por polarizações: a lógica do capital produtivo e a do capital especulativo; a dos que defendem a maior lucratividade possível e a dos que lutam pelos direitos da vida, da humanidade e da Terra; a lógica do individualismo que destrói a "casa comum", aumentando o número dos que não querem mais conviver, e a da solidariedade social, a partir dos mais vulneráveis; a lógica das elites que fazem as mudanças intrassistêmicas e se apropriam dos lucros e a dos assalariados, ameaçados de desemprego e sem capacidade de intervenção; a lógica da aceleração do crescimento material (o PAC) e a dos limites de cada ecossistema e da própria Terra.
Vigora uma desconfiança generalizada de que desse sistema não poderá vir nada de bom para a humanidade. Estamos indo de mal a pior em todos os itens da vida e da natureza. O futuro depende do cabedal de confiança que os povos depositam em suas capacidades e nas possibilidades da realidade. E essa confiança está minguando dia a dia.
Estamos confrontando esse dilema: ou deixamos as coisas correrem assim como estão e nos afundaremos numa crise abissal ou então nos empenharemos na gestação de uma nova vida social, capaz de sustentar um outro tipo de civilização. Os vínculos sociais novos não derivarão nem da técnica nem da política, descoladas da natureza e de uma relação de sinergia com a Terra. Nascerão de um consenso mínimo entre os homens, a ser construído, ao redor do reconhecimento e do respeito dos direitos da vida, de cada sujeito, da humanidade e da Terra. A essa nova vida social devem servir a técnica, a política, as instituições e os valores.
Sobre isso venho pensando e escrevendo há 20 anos. Mas é voz perdida no deserto. "Clamei e salvei a minha alma", diria Marx. Mas importa continuar. O improvável é ainda possível.
Escrito por: Leonardo Boff
0 comentários:
Postar um comentário