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8 de agosto de 2010

A dor e a delícia de ser doador

Entre as implicações estão expectativa de reconhecimento e cobrança social

Doar uma parte do próprio corpo para devolver a saúde a outro ser humano, além de ser uma das atitudes mais nobres que uma pessoa pode ter, é também um marco de vida e tem efeitos para quem doa. Foi sob esse ponto de vista mais amplo, e inédito, que os cirurgiões Andy Petroianu e Daniel Xavier Lima resgataram algumas histórias de doadores de rim.
A tese de doutorado de Daniel Xavier deu origem ao livro "Transplante Renal - O que os Doadores Precisam Saber", voltado para pessoas que aguardam por um transplante renal ou que estão decidindo se serão doadoras, assinado pelos professores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
"Queríamos informar quais repercussões que a doação pode ter para o doador, as implicações físicas, sociais, familiares e emocionais. O importante é que a pessoa vá consciente de todos os aspectos", conta Andy Petroianu, professor do departamento de cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Petroianu afirma que fisicamente o doador não tem qualquer prejuízo, mas o processo de decisão pelo transplante pode ser estressante. "Na maioria das vezes, toda atenção dos médicos, da família e dos amigos acaba voltada para quem recebeu o órgão, o doente", diz.
O diretor da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO]), Mario Abbud Filho, aponta um dos possíveis motivos para isso: o esforço para a redução da lista de espera é tão grande que pouco tempo restou para avaliar o estresse e a qualidade de vida dos doadores, tanto antes quanto depois da cirurgia. "As raras campanhas sequer tangenciam essa esfera de cuidado com os potenciais doadores", diz.
Antes e depois. Andy Petroianu diz que retirar um rim é muito mais que uma operação: é um momento transformador na vida das pessoas e envolve muitos sentimentos, inclusive, o sentimento de cobrança social.
"A cobrança é real. Às vezes, a pessoa tem um pai, um irmão precisando de um rim, mas não está nem um pouco a fim de doar, tem medo de ser operado, de perder a saúde depois, são sentimentos legítimos. Outras vezes ninguém cobra, mas o familiar se sente cobrado", diz Petroianu.
Outro aspecto ressaltado pelo cirurgião é que pode haver uma expectativa de reconhecimento afetivo por parte do doador que nem sempre é correspondida. "É uma coisa que não sai da cabeça de quem doou. Sempre vai haver uma cobrança de reconhecimento por aquele ato. Mas não estamos transplantando sentimentos. Para quem recebe o órgão pode ser difícil conviver com a gratidão de ter ganhado a vida novamente. Isso vira uma dívida. Então, ele pode menosprezar o doador. É um jogo extremamente complexo", explica.
Parentesco. Analisando os diferentes parentescos de doação, Petroianu destaca que uma das que requerem maior cuidado é aquela entre casais. Já quando a mãe doa para o filho, o processo é bem mais fácil. "Entre eles, não existe cobrança porque a vida do filho é mais importante para a mãe do que a própria vida. Mas uma esposa pode acreditar que aquele marido nunca vai abandoná-la pelo fato de ela ter lhe doado o rim. E as coisas não são bem assim", diz.
O ideal é que tudo isso seja conversado antes da cirurgia, como fez o casal Ângela Cristina de Souza Almeida e Reinaldo(foto), em abril de 2008. Ela fez questão de deixar claro para o marido que estava doando o rim sem a intenção de "prendê-lo".
"Disse para ele que eu não estava doando o rim para ele ficar comigo. Se a gente não desse certo depois, deveria ser cada um para o seu lado. Quem doa não pode querer nada em troca, senão perde o espírito da doação", argumenta.
Ela conta que o marido tem uma grande gratidão, mas que sua atitude foi "incondicional" e que teve medo em poucos momentos. "Fiquei um pouco ansiosa uma semana antes, aquela coisa de ficar pensando se vai dar tudo certo, se nós dois ficaríamos bem", admitiu Ângela.
Felizmente, dois dias após a cirurgia, Ângela já estava em casa. O marido teve alta duas semanas depois e, passados dois anos, ela lembra com tranquilidade do pós-cirurgia.
"Foi tudo muito tranquilo, e me recuperei muito rápido. Depois que passa, é uma sensação de alívio que não dá para imaginar. Agora é só alegria. Não me arrependi em nenhum momento e, se tivesse que fazer, faria tudo de novo".

fonte:Otempo

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